terça-feira, 23 de outubro de 2012

POEMAS DE OUTONO


CANÇÃO DE OUTONO

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

           Cecília Meireles

Em uma Tarde de OutonoOutono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas 
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto. 
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas 
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto... 

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas, 
Visitaste este mar inabitado e morto, 
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas, 
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto? 

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos 
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos... 
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol! 

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste, 
E contemplo o lugar por onde te sumiste, 
Banhado no clarão nascente do arrebol... 

Olavo Bilac, in "Poesias"


sábado, 20 de outubro de 2012

Regresso às aulas

Benvindos a todos os nossos colaboradores, leitores e seguidores, que seja mais um ano cheio de poesia. Para recomeçar, escolhemos um poema de Guerra Junqueiro, que expressa a sua visão sobre a escola portuguesa. Até breve.
 
A Escola Portuguesa

Eis as crianças vermelhas
Na sua hedionda prisão:
Doirado enxame de abelhas!
O mestre-escola é o zangão.

Em duros bancos de pinho
Senta-se a turba sonora
Dos corpos feitos de arminho,
Das almas feitas d'aurora.

Soletram versos e prosas
Horríveis; contudo, ao lê-las
Daquelas bocas de rosas
Saem murmúrios de estrela.

Contemplam de quando em quando,
E com inveja, Senhor!
As andorinhas passando
Do azul no livre esplendor.

Oh, que existência doirada
Lá cima, no azul, na glória,
Sem cartilhas, sem tabuada,
Sem mestre e sem palmatória!

E como os dias são longos
Nestas prisões sepulcrais!
Abrem a boca os ditongos,
E as cifras tristes dão ais!

Desgraçadas toutinegras,
Que insuportáveis martírios!
João Félix co'as unhas negras,
Mostrando as vogais aos lírios!

Como querem que despontem
Os frutos na escola aldeã,
Se o nome do mestre é — Ontem
E o do discíp'lo — Amanhã!

Como é que há-de na campina
Surgir o trigal maduro,
Se é o Passado quem ensina
O b a ba ao Futuro!

Entregar a um tarimbeiro
Um coração infantil!
Fazer o calvo Janeiro
Preceptor do loiro Abril!

Barbaridade irrisória,
Estúpido despotismo!
Meter uma palmatória
Nas mãos dum anacronismo!

A palmatória, o açoite,
A estupidez decretada!
A lei incumbindo a Noite
Da educação da Alvoradal

Gravai na vossa lembrança
E meditai com horror,
Que o homem sai da criança
Como o fruto sai da flor.

Da pequenina semente,
Que a escola régia destrói,
Pode fazer-se igualmente
Ou o assassino ou o herói.

Desta escola a uma prisão
Vai um caminho agoireiro:
A escola produz o grão
De que a enxovia é o celeiro.

Deixai ver o Sol doirado
À infância, eis o que eu vos peço.
Esta escola é um atentado,
Um roubo feito ao progresso.

Vamos, arrancai a infância
Da lama deste paul;
Rasgai no muro Ignorância
Trezentas portas de azul!

O professor asinino,
Segundo entre nós ele é,
Dum anjo extrai um cretino,
Dum cretino um chimpanzé.

Empunhando as rijas férulas
Vós esmagais e partis
As crianças — essas pérolas
Na escola — esse almofariz.

Isto escolas!... que índecência
Escolas, esta farsada!
São açougues de inocência,
São talhos d'anjos, mais nada.

Guerra Junqueiro, in 'A Musa em Férias'